terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Viver sempre também cansa


Entre leituras, encontrei um poema que gostaria de partilhar convosco, é de José Gomes Ferreira e fala-nos sobre a monotonia da vida.

Viver sempre também cansa

O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde…
Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens também não se transformam.
não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.

Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima os homens são homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida…

E obrigam-me a viver até à Morte!

Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?

Ah! Se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre a almofada,
confiante e sereno por saber
que tu me velavas, meu amor do Norte.

Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com o teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
“Matou-se esta manhã.
agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela “

E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo…

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