Ontem à noite corri mais uma vez os cantos mais inóspitos da cidade.
Os sem abrigo recorrem a todas as arcadas que os possa acolher do ar gélido que assombra a Baixa, aquela hora da noite. Os cartões são o seu maior tesouro, pois retêm o calor dos seus corpos, fazendo com que o tormento da noite não seja tão insuportável.
Todas aquelas pessoas deambulam durante o dia de um lado para o outro, de uma forma mecânica, aguardando desesperadamente, que todos os transeuntes deixem a cidade e sigam caminho para suas casas. É a única forma de se poderem nos seus nichos habituais sem serem importunados. Nichos esses que são quase sempre frentes de lojas, com arcadas e com alguma iluminacão. Acho que a luz os conforta.
Em plena Almirante Reis a maioria deles deitam-se nas tais arcadas de lojas de móveis, o grande monopólio da zona. Imaginem o que será adormecer sobre o chão de pedra, frio…sujo…com o corpo magoado do desconforto, olhando para uma cama, com todo o seu luxo e esplendor.
É uma imagem cruel.
Este é um pedaço do mundo que já faz parte do meu quotidiano.
Sei que o que faço não é muito, mas é o que posso e sei que pelo menos aquela refeição eu consigo garantir-lhes. A refeição, uma palavra amiga, um pouco de companhia.
Este, seria um mundo melhor se não existissem pessoas com estas necessidades, mas se existem e este não é um mundo maravilho porque não fazer a diferença? Porque não dar a mão?