quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Numa destas noites.


Na terça-feira passada o nevoeiro tomava conta da cidade…a humidade crescia a cada esquina, foi uma sorte não ter chovido.
Fomos finalmente dar a volta pelas ruas da cidade onde aqui e ali, se encontram corpos deitados no chão, sobre a pedra, ou um simples cartão. Mal agasalhados, com fome e alguns entregues a uma solidão imensa.
Os mais velhos têm nos trapos a história de uma vida e esperam pacientes pela chegada da carrinha, sabendo que aquela é a única refeição do dia que está garantida.
Bebem o leite de uma golada só para que possamos encher novamente o copo…é ter fome, é ter fome que os leva a acolher-nos como os anjos da noite.
Os olhares tristes transformam-se num obrigado, alguns precisam inclusive de falar um pouco, contar qualquer coisa, ou então comer ali ao pé de nós só pelo calor humano.
Muitos dormem sob as arcadas com cães, o fiel e eterno amigo e com eles dividem o pouco que têm para comer, mas com o cair da noite recebem a sua recompensa, já que dormem de corpo colado tentando concentrar ao máximo o calor.
Recordo-me bem dos estrangeiros, que agarrados às memórias de um passado recente nos falam do que deixaram para trás quando vieram para Portugal. Também eles dormem na rua, alguns tão perdidos que nem se levantam para comer, temos de ser nós a deixar perto deles o saco com os alimentos.
Nestes cantos da cidade, cantos imundos, onde predomina o cheiro intenso da urina, cantos escuros, becos sem saída, arcadas, escadas…ao pé da linha do comboio, qualquer sitio serve para dormir, para descansar o corpo do tormento que é viver assim. E engane-se quem pensar que ser mendigo é uma opção.

Nessa noite cheguei a casa, tomei um banho e enfiei-me na cama, encolhida, como que dentro de um casulo. Ter um tecto, uma cama quente, um cobertor ou um pijama…é uma bênção.

Já há muito que não dormia assim…

Foi libertador!

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